Por que conhecer seu cliente é a base de qualquer estratégia jurídica
Você saberia descrever com precisão quem são os seus cinco principais clientes hoje?
Por Rafael Gagliardi, sócio da LETS Marketing
Se a resposta envolve apenas o nome da empresa ou a área do Direito que contrataram, talvez falte uma dimensão essencial: a de compreender, de fato, quem são essas pessoas ou organizações. Quais são seus objetivos, suas dores, seus critérios de escolha, seus motivos para manter ou trocar um fornecedor jurídico? E mais: qual o papel que você cumpre dentro da lógica de negócios deles?
Muitos escritórios seguem atuando de forma reativa, resolvendo problemas quando aparecem, mantendo uma boa entrega técnica, mas sem aprofundar o relacionamento ou explorar oportunidades reais de gerar valor. Esse modelo está cada vez mais defasado. No cenário atual, conhecer o cliente deixou de ser diferencial — passou a ser pré-requisito.
A figura do cliente no centro do escritório
Ainda se discute muito quem é o protagonista na construção de um escritório de advocacia sólido: os sócios fundadores, os advogados talentosos, o gestor administrativo, o marketing ou os parceiros externos. Há méritos distribuídos em todas essas frentes. Mas é inegável que, sem cliente, nada se sustenta.
Não há honorários. Não há equipe. Não há crescimento.
A frase atribuída a Sam Walton, fundador do Walmart, ajuda a lembrar o ponto central: “O cliente pode demitir todos em uma empresa apenas decidindo gastar o dinheiro dele em outro lugar.” No setor jurídico, onde as relações são baseadas em confiança, especialização e reputação, esse risco é ainda maior quando se negligencia a gestão do relacionamento.
Se o cliente é quem mantém o escritório operando, por que ainda há tanta resistência em conhecê-lo de verdade?
Diagnóstico inicial: o que você realmente sabe sobre sua base de clientes?
Listar clientes em uma planilha não é conhecer seu público. Isso é gestão operacional. Entender o que eles esperam da advocacia, o que valorizam em um parceiro, quais tipos de abordagem funcionam e o que os faria indicar você para alguém é o ponto onde se começa a construir uma estratégia de relacionamento real.
Esse mapeamento pode ser iniciado com perguntas simples:
Quem toma a decisão de contratar seu escritório?
Em quais situações eles acionam seu time?
Qual é o maior receio que têm ao contratar um advogado?
Que tipo de conteúdo eles consomem? Onde buscam informação jurídica?
Eles enxergam valor no que é entregue — ou apenas veem custo?
Responder essas questões exige tempo, análise de histórico, escuta ativa e, muitas vezes, disposição para rever o que parecia funcionar. E aqui entra uma provocação direta: seu escritório está estruturado para ouvir o cliente — ou apenas para falar com ele?
Três perfis de cliente: interessados, indecisos e alheios
Quando se trata de captar e manter clientes, nem todos estão no mesmo estágio. Alguns já sabem o que precisam. Outros ainda não enxergam a real importância do serviço jurídico. E há aqueles que simplesmente não têm noção do risco que correm por não contar com assessoria adequada.
Essa divisão não é teórica. Ela tem impacto direto na forma como você monta sua estratégia comercial e de posicionamento:
1. Interessados
São os que já identificaram uma demanda jurídica e estão buscando uma solução. Eles têm clareza do problema e, muitas vezes, estão comparando fornecedores. Isso aumenta a competitividade e exige diferenciação clara — seja no atendimento, na estrutura, na precificação, na capacidade de resposta ou na abordagem estratégica.
Por outro lado, esses clientes também estão mais dispostos a fechar negócios rapidamente, se perceberem valor. Não desperdice esse momento com comunicações genéricas ou propostas pouco customizadas. O tempo de resposta, nesse caso, é um ativo estratégico.
2. Indecisos
Esse é o grupo que representa uma enorme oportunidade mal aproveitada pela maioria dos escritórios. São empresas ou pessoas que até enfrentam riscos ou dilemas jurídicos, mas acreditam que conseguem lidar com eles internamente ou com soluções improvisadas.
A diretora financeira que pede para o time revisar um contrato internacional. O empresário que deixa a gestão tributária nas mãos do contador, sem pensar em planejamento estratégico. O fundador de startup que ignora cláusulas de vesting em acordos societários. Todos eles são indecisos.
O desafio aqui é mostrar que existe uma solução melhor — mais segura, mais eficaz e muitas vezes mais econômica no longo prazo. Para isso, o escritório precisa produzir conteúdo relevante, mostrar casos reais, dar visibilidade a benefícios concretos e, principalmente, construir confiança antes de qualquer proposta comercial.
3. Alheios
Esse é o grupo que nem imagina que pode vir a precisar de um advogado. Ou porque nunca viveu um problema concreto, ou porque acredita que só precisa do jurídico quando o conflito já está instaurado.
Atuar com esse público exige estratégia de longo prazo. Aqui, eventos, parcerias com entidades, publicações em canais especializados, presença institucional e ações de reputação fazem mais sentido do que campanhas de captação direta.
O objetivo não é converter de imediato, mas ocupar espaço de referência para que, quando surgir a necessidade, o nome do escritório já esteja consolidado na memória desse potencial cliente.
Relacionamento é ativo, não consequência
A maioria dos escritórios ainda trata o relacionamento com clientes como algo reativo. Quando o cliente manda uma mensagem, alguém responde. Quando há uma entrega, alguém agenda uma reunião. Mas não há uma régua de comunicação, um processo sistematizado de escuta e acompanhamento ou uma estrutura desenhada para evoluir o vínculo ao longo do tempo.
Em outras palavras: o relacionamento é delegado à agenda, e não à estratégia.
Se você quer saber o quanto seu relacionamento com os clientes é realmente sólido, tente responder:
Seu escritório tem uma régua de relacionamento pós-venda?
Há ações específicas para datas importantes, como renovações de contrato, aniversários de empresa ou momentos chave do cliente?
Seu time comercial sabe identificar se um cliente está prestes a ir embora antes que isso aconteça?
As sócias e os sócios acompanham diretamente os principais contratos, ou isso foi totalmente delegado?
Construir relacionamento no setor jurídico é, sim, possível — e necessário. Mas exige disciplina, metodologia e cultura. Nenhuma tecnologia, por mais avançada que seja, vai substituir uma conversa bem conduzida com o cliente.
Relações de confiança são mais valiosas que honorários pontuais
O setor jurídico é movido por reputação. Não é raro ver advogados receberem indicações mesmo quando não são especialistas na demanda — simplesmente porque construíram uma relação sólida com seus contatos. Isso mostra que as pessoas não indicam apenas competência técnica, mas, sobretudo, confiabilidade.
Segundo o estudo Mapa Jurídico Nacional, conduzido pela LETS Marketing, mais de 80% dos advogados afirmaram que conquistaram seus últimos clientes por meio de relações pessoais ou profissionais pré-existentes. O que isso revela? Que o cliente é, em muitos casos, um elo da sua rede, e não um desconhecido que caiu por acaso no seu site.
Isso muda completamente a abordagem comercial. Em vez de concentrar os esforços apenas em prospecções frias ou eventos amplos, talvez faça mais sentido investir tempo em mapear sua própria rede, entender quem são seus multiplicadores e ativar conexões de forma inteligente.
Segmentação é eficiência — e não exclusão
Um erro comum em escritórios é acreditar que segmentar o público significa limitar a atuação. Na prática, acontece o contrário. Ao definir com clareza os perfis que o escritório quer atender, as ações se tornam mais eficazes, a linguagem mais apropriada e a proposta de valor mais aderente à realidade daquele grupo.
Você pode, sim, ter diversos segmentos atendidos — desde que os trate com abordagens distintas.
O conteúdo direcionado para CEOs de empresas familiares deve ser diferente daquele preparado para diretores jurídicos de multinacionais. O ritmo de follow-up para startups em rodada de investimento precisa ser mais intenso do que para empresas em recuperação judicial. E a lógica de cobrança de um cliente institucional não pode ser a mesma usada com uma família que precisa de planejamento sucessório.
Se você ainda envia o mesmo material institucional para todos os seus contatos, há algo importante a repensar.
Cinco caminhos práticos para começar a evoluir o conhecimento do seu cliente
Crie uma base de dados qualificada.
Não basta nome, e-mail e CNPJ. Inclua setor, cargo, histórico de relacionamento, momento atual e nível de engajamento.Implemente pesquisas rápidas de satisfação.
Não espere a insatisfação virar cancelamento. Pergunte com frequência o que pode ser melhorado.Desenhe personas com base em clientes reais.
Nada de arquétipos genéricos. Use dados reais para construir representações que façam sentido para o time.Estabeleça uma régua de relacionamento.
Mapeie pontos de contato estratégicos: onboarding, aniversários de contrato, encerramento de demandas, atualizações legislativas, entre outros.Crie um comitê interno de relacionamento.
Forme um grupo com sócios e advogados para revisar, trimestralmente, os principais contratos, identificar riscos e oportunidades.
O conhecimento do cliente não é uma tarefa a ser terceirizada. É uma competência central para a sobrevivência e o crescimento de qualquer escritório. Quem ignora esse fator pode até manter as portas abertas por algum tempo — mas dificilmente vai construir um negócio que se sustente em um mercado cada vez mais competitivo, exigente e orientado por valor.
Se conhecer o cliente é tão essencial, por que essa ainda não é uma prioridade absoluta no seu escritório?