Como segmentar clientes por setor de indústria transformou minha visão sobre estratégia jurídica
Durante os anos em que trabalhei em uma das maiores consultorias empresariais do mundo, aprendi na prática o poder que existe na segmentação de clientes por setor de indústria. Era parte da rotina: classificávamos cada cliente de acordo com códigos como o CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas), NAIC (North American Industry Classification System) ou SIC (Standard Industrial Classification).
Por Rafael Gagliardi, sócio da LETS Marketing
Essa categorização nunca foi um detalhe burocrático. Pelo contrário, era o ponto de partida para estruturar estratégias de negócio mais inteligentes e eficazes. Com o tempo, ficou muito claro para mim que cada setor possui uma linguagem própria, desafios específicos, processos característicos e até uma dinâmica regulatória singular.
Quando passei a atuar no mercado jurídico, percebi uma diferença considerável. Muitos escritórios já fazem esse tipo de segmentação, mas de maneira ainda parcial. No Brasil, a lógica dominante ainda é organizar a atuação pela natureza do serviço jurídico – contencioso, consultivo, regulatório – e não necessariamente pela atividade principal do cliente.
Como o setor de saúde revela os limites da segmentação tradicional
Um dos exemplos mais evidentes está no setor de saúde. É comum encontrar escritórios que se dizem especializados nesse segmento, mas que na prática concentram sua atuação apenas em temas relacionados à ANVISA ou à responsabilidade civil médica.
Ocorre que, se observarmos com o mesmo rigor que utilizávamos na consultoria, veremos que o setor de saúde, conforme o CNAE, inclui hospitais, clínicas, laboratórios, planos de saúde e até profissionais liberais. Cada uma dessas subcategorias tem características de negócio, processos de decisão e desafios jurídicos muito distintos.
Atender um laboratório de análises clínicas, por exemplo, envolve questões de biossegurança, LGPD, contratos com fornecedores de insumos e muitas vezes, investimentos em inovação tecnológica. Já um hospital público lida com licitações, parcerias público-privadas e temas regulatórios complexos.
Por que então tantos escritórios insistem em oferecer soluções genéricas quando o próprio segmento é tão diverso?
Minha hipótese é que ainda há uma confusão conceitual relevante: confunde-se a natureza do serviço jurídico prestado com o segmento de atuação do cliente. Isso limita a capacidade do escritório de criar propostas realmente personalizadas e, por consequência, a sua competitividade.
O que aprendi com as Desks internacionais
Nos mercados mais maduros, como o americano e o londrino, essa visão segmentada já está profundamente enraizada. Lá, os grandes escritórios estruturam suas operações em “Desks” ou “Industry Groups” – equipes multidisciplinares, técnicas e administrativas, que atuam exclusivamente para determinados setores.
É muito comum, por exemplo, encontrar uma “Healthcare Desk” que reúne advogados de diversas áreas – contratual, regulatória, trabalhista, tributária – mas todos com profundo conhecimento sobre o setor de saúde, participando de eventos específicos, produzindo conteúdo especializado e entendendo os movimentos regulatórios que impactam diretamente aquele mercado.
Esse modelo garante que o escritório fale a mesma língua do cliente, antecipe tendências e seja visto como um parceiro estratégico, e não apenas um solucionador pontual de problemas jurídicos.
Voltando ao mercado jurídico brasileiro, percebo o quanto ainda temos espaço para evoluir nesse aspecto.
O potencial da segmentação no contexto jurídico brasileiro
No Brasil, muitos escritórios começam a se organizar por setores, mas de forma tímida e, muitas vezes, desestruturada. Há um movimento crescente em áreas como agronegócio, infraestrutura e tecnologia, mas ainda falta método.
A segmentação por setor de indústria permite que um escritório seja mais assertivo em vários aspectos:
Estudo aprofundado: conhecer em profundidade os marcos regulatórios, as tendências de mercado e as dores específicas de cada segmento.
Propostas personalizadas: criar soluções jurídicas adaptadas à realidade de cada cliente, com foco nos riscos e oportunidades mais relevantes.
Comunicação direcionada: produzir conteúdos que dialoguem diretamente com as preocupações daquele setor, aumentando a autoridade e a visibilidade do escritório.
Participação ativa: frequentar eventos específicos, estabelecer networking qualificado e entender as práticas comerciais típicas daquela indústria.
Quando um escritório decide segmentar sua atuação por setor, passa a construir uma proposta de valor muito mais clara. O cliente percebe que o advogado entende as suas particularidades, fala sua linguagem e antecipa os riscos e oportunidades do mercado em que atua.
Minha recomendação para quem quer começar
Se posso deixar uma recomendação, com base na minha trajetória, é esta: comece pela estruturação de grupos internos multidisciplinares focados em setores específicos.
Por exemplo, se o escritório atende diversos clientes na área de tecnologia, crie um grupo que reúna advogados especializados em propriedade intelectual, contratos, proteção de dados e compliance, mas que se dediquem a estudar esse mercado, participem de eventos de inovação e se aproximem dos ecossistemas de startups.
Esse grupo deve ir além de simplesmente somar competências jurídicas. É preciso desenvolver uma visão de negócio do setor, entender as tendências, as fusões, as novas regulações e os desafios estratégicos que impactam os clientes.
Outro aspecto fundamental é usar classificações formais, como o CNAE, para mapear a base de clientes e potenciais clientes. Isso ajuda a identificar padrões, definir prioridades e ajustar o posicionamento do escritório.
O que você pode fazer a partir de agora
Você já mapeou os setores de indústria que mais consomem os serviços do seu escritório? Já avaliou quais segmentos possuem maior potencial de crescimento ou quais exigem uma atuação mais especializada?
Se ainda não fez isso, talvez seja o momento ideal para começar.
Comece simples: analise a carteira de clientes, identifique os setores predominantes e organize reuniões internas para discutir como o escritório pode se aprofundar nesses mercados. Estabeleça grupos de estudo, incentive a produção de conteúdos especializados e oriente os sócios e advogados a participarem ativamente de eventos setoriais.
Essa mudança de perspectiva pode ser o diferencial que faltava para o seu escritório se posicionar de maneira mais estratégica e conquistar novos mercados.
A segmentação por setor de indústria não é uma tendência passageira. É uma forma mais inteligente, eficiente e relevante de se posicionar no mercado jurídico. Se eu aprendi isso na consultoria empresarial, hoje reforço essa visão a cada dia na atuação com escritórios de advocacia.