Desafios, possibilidades e riscos para a identidade dos escritórios de advocacia
Criação de marca com inteligência artificial: O mercado jurídico brasileiro está passando por uma transformação silenciosa, mas profunda. Escritórios que antes viam a identidade visual como uma formalidade estética começam a encarar a marca como um ativo estratégico. Ao mesmo tempo, a inteligência artificial (IA) tem ganhado espaço em processos de branding, design e gestão da propriedade intelectual. A interseção entre o registro de marca e a aplicação da IA levanta questões técnicas, éticas e regulatórias que precisam ser debatidas com profundidade, especialmente quando se trata de sociedades de advogados.
Nome fantasia e limitações legais: o ponto de partida
O artigo 16 da Lei nº 8.906/1994 é claro: escritórios de advocacia não podem utilizar nome fantasia. A denominação da sociedade precisa conter, obrigatoriamente, o nome de um ou mais sócios. A interpretação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é taxativa nesse sentido, o que limita a liberdade criativa na escolha de nomes. Contudo, isso não impede o registro de marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), desde que respeitado esse requisito.
Marcas podem incluir elementos como o nome completo da sociedade, seu logotipo, fonte tipográfica, combinação de cores, símbolos visuais e outros sinais distintivos. Esses componentes, quando alinhados de forma coerente, contribuem para a construção de uma identidade memorável. Em um mercado cada vez mais competitivo, essa identidade deixa de ser apenas um acessório e passa a compor o núcleo da estratégia comercial e reputacional.
IA na criação de marcas: eficiência com limites
Ferramentas de inteligência artificial como Midjourney, DALL·E, Looka, Designs.ai e Adobe Firefly vêm sendo amplamente utilizadas para auxiliar na criação de logotipos e identidade visual de marcas, inclusive no setor jurídico. Essas soluções oferecem agilidade, variedade e custos reduzidos na fase de conceituação. No entanto, há um ponto crítico que precisa ser considerado: a originalidade.
Como esses sistemas operam com base em bancos de dados de imagens preexistentes e treinamento em modelos massivos, a probabilidade de produção de elementos semelhantes ou pouco distintos não é desprezível. Isso pode gerar problemas tanto na tentativa de registro junto ao INPI quanto na sustentação de uma identidade autêntica. Marcas criadas por IA que não passam por curadoria humana especializada correm o risco de configurar plágio não intencional, o que, para escritórios de advocacia, pode comprometer valores como ética e conformidade.
Confiança nos arquivos gerados: aspectos técnicos e legais
Outro aspecto relevante é a qualidade técnica dos arquivos produzidos por IA. Para que uma marca seja devidamente aplicada em diferentes suportes (digitais e impressos), é necessário que os arquivos estejam em alta resolução e em formatos profissionais como .AI, .EPS, .SVG e .PDF vetorial. Muitas ferramentas automatizadas geram arquivos em .PNG ou .JPG, inadequados para usos institucionais robustos.
A ausência desses formatos pode limitar a aplicação da identidade visual, fragilizar o branding e prejudicar campanhas de comunicação. Além disso, a documentação da autoria e das licenças também é essencial, especialmente quando se busca o registro da marca no INPI ou em escritórios internacionais de propriedade intelectual.
Distinção entre design profissional e IA generativa
Embora a IA ofereça acessibilidade e produtividade, ainda não substitui o trabalho criativo e estratégico de um designer especializado. Profissionais humanos consideram variáveis que vão além da estética: adequação ao público-alvo, conformidade com as normas da OAB, coerência com o posicionamento de mercado do escritório e planos de expansão. Designers também garantem a entrega de arquivos estruturados corretamente, criam manuais de identidade e consideram aplicações futuras.
A IA pode ser uma excelente ferramenta de apoio, mas dificilmente entrega uma solução completa sem o acompanhamento humano. Escritórios que buscam se destacar devem ponderar a economia gerada pela IA com os riscos de padronização e falta de distinção.
Proteção da marca: o registro como ferramenta estratégica
Registrar a marca não é apenas uma precaução legal, mas um movimento estratégico que fortalece a reputação e protege o valor simbólico construído ao longo do tempo. O registro no INPI garante o uso exclusivo do nome e dos elementos visuais em sua categoria, prevenindo conflitos com terceiros e dando lastro para a atuação em novos mercados ou canais.
É importante destacar que o registro na OAB, por si só, não garante exclusividade no uso gráfico da marca. Além disso, a proteção conferida pelo INPI permite a repressão de uso indevido por parte de concorrentes ou terceiros, sendo um mecanismo essencial de defesa da identidade corporativa.
Aspectos complementares: direitos autorais e identidade digital
Para além do registro de marca, escritórios também podem proteger elementos como campanhas publicitárias, slogans, materiais institucionais e textos por meio do registro de direitos autorais. No Brasil, isso pode ser feito via Biblioteca Nacional ou plataformas especializadas, com o objetivo de documentar a autoria e a data de criação.
Outro ponto crítico é a proteção da identidade digital. Domínios, perfis em redes sociais e assinaturas eletrônicas devem estar alinhados à marca registrada, sob pena de vulnerabilizar a presença online do escritório e permitir que terceiros se aproveitem de nomes semelhantes para práticas ilícitas ou desleais.
Por onde começar: roteiro prático para escritórios
- Definir uma identidade visual clara, coerente e alinhada com os princípios do escritório;
- Realizar busca de anterioridade no INPI para evitar conflitos com marcas já registradas;
- Escolher a classe de registro adequada (ex.: classe 45, que abrange serviços jurídicos);
- Registrar os elementos visuais no INPI como marca mista ou figurativa;
- Avaliar a necessidade de registro de direitos autorais para materiais complementares;
- Proteger domínios e usuários nas principais redes sociais com base na marca registrada;
- Manter arquivos em formatos profissionais e com resolução adequada para diferentes usos.
A decisão é estratégica, não burocrática
Se a identidade visual é parte do posicionamento e da memória institucional do escritório, não faz sentido tratá-la como um detalhe secundário. O uso da inteligência artificial para acelerar processos criativos é válido, desde que acompanhado de critério e responsabilidade. A decisão de registrar a marca, por sua vez, precisa ser vista como investimento em reputação, proteção jurídica e longevidade no mercado.
A pergunta que os escritórios devem se fazer não é “preciso registrar minha marca?”, mas sim: “que tipo de escritório quero construir e proteger nos próximos anos?”.